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Meio Ambiente

Chuvas e estiagens: como as mudanças climáticas afetam Pernambuco da RMR ao Sertão

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Por: REDAÇÃO Portal

As mudanças climáticas tendem a potencializar um cenário já influenciado pelo relevo, pelas correntes marítimas e fenômenos como o “El Niño”

30/05/2024
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As mudanças climáticas tendem a potencializar um cenário já influenciado pelo relevo, pelas correntes marítimas e fenômenos como o “El Niño”

Foto: Reprodução/Compesa

Ano após ano, a Terra sente os impactos das mudanças climáticas. Em todo o estado de Pernambuco, além das temperaturas elevadas, chuvas cada vez mais intensas e num curto período, tem assustado a população, que passa a reconhecer as transformações do clima no cotidiano. Mas apesar das fortes chuvas na Região Metropolitana do Recife e Zona da Mata, baixos índices pluviométricos continuam sendo registrados no noroeste pernambucano, próximo aos estados do Ceará e do Piauí, o que também interfere no nível dos reservatórios da região. As mudanças climáticas tendem a potencializar um cenário já influenciado pelo relevo, pelas correntes marítimas e fenômenos como o “El Niño”.

Chuvas 

 

Reprodução/TV Globo

De acordo com um boletim mensal divulgado pela Agência Pernambucana de Águas e Clima (Apac), de 1° de janeiro a 29 de maio deste ano, Abreu e Lima, na Região Metropolitana do Recife, foi a cidade com maior quantidade de chuva registrada: foram 1.143,5 mm nos últimos cinco meses. Paulista (1.093,5 mm) e Itapissuma (1024.1), ainda na RMR, também ultrapassaram a marca dos 1000 milímetros, e de um modo geral, mesmo que números mais baixos em comparação com outros anos, bons índices pluviométricos foram conferidos em toda a faixa litorânea e Zona da Mata.

Em contrapartida, o Monitor de Secas de Pernambuco do mês de abril, divulgado pela Apac, mostra que o Sertão de Araripina, na divisa com os estados do Ceará e do Piauí, é o que mais tem sofrido com baixos índices pluviométricos. As cidades de Ouricuri, Bodocó, Ipubi, Trindade, Exu, Granito, Parnamirim e a própria Araripina, no noroeste pernambucano, estão dentro da classificação de Seca Fraca (S0), com impactos a curto prazo à economia da região. Em média, o Sertão de Araripina registrou de 418 mm (Ipubi) a 519,4 mm (Araripina) de precipitação desde janeiro. 

Fonte: Apac

O professor e pesquisador do departamento de Geografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Osvaldo Girão, explica que é natural a tendência de diminuição dos índices de chuva Pernambuco à dentro, especialmente por conta do Planalto da Borborema: uma barreira geológica que impede o avanço da umidade vinda do Oceano Atlântico, causando mais chuvas próximo ao litoral e precipitações mais escassas no semiárido. Além das condições de relevo, fenômenos de aquecimento e resfriamento das águas do Oceano Pacífico, como El Niño e La Niña, influenciam essa dinâmica diretamente.

Estiagens

 

Reprodução/Compesa - Jucazinho, em Surubim, em 2021

No entanto, o professor lembra que, mesmo com o fim do El Niño, um dos principais motivos para o verão e outono de 2024 terem sido tão quentes, a fase de maiores índices pluviométricos na parte leste de Pernambuco, onde vive a maior parte da população, já está passando.

"Estamos agora com alguns dias de chuvas mais intensas, mas nos meses de março, abril e mesmo boa parte do mês de maio, praticamente não tivemos chuvas com a intensidade que vimos nos anos anteriores. E a tendência é que, com a saída do El Niño e a volta de um período de neutralidade, ainda no inverno, ou até mesmo da La Niña, haja uma recorrência maior de chuva. Mas lembrando que, para a Região Metropolitana, o período chuvoso já é finalizado a partir de setembro. E aí adentramos a primavera, que é mais seca para Pernambuco e para o Nordeste como todo”, informa.

Segundo a Apac, com a chegada do inverno, os índices pluviométricos tendem a diminuir nos próximos três meses em todas as mesorregiões. Na Região Metropolitana do Recife, a variação será de 337,6 mm em junho para 176,9 em agosto. Enquanto isso, o Sertão terá ainda menos chuva, saindo 35,3 mm para 11,6 mm, o que a Agência classifica como o esperado para o período na região. Esse trimestre representa 40% do total de chuvas na RMR, 41% na Zona da Mata, 36% no Agreste e 12% no Sertão.

Fonte: Apac

Reservatórios

Em maio de 2024, Pernambuco tem 8 dos 88 (9%) reservatórios próximos do colapso, ou seja, com menos de 10% da capacidade acumulada de água. Boa parte desses reservatórios estão entre o Sertão e o Agreste, e a situação é mais grave no Caicara (0%), em Santa Maria da Boa Vista, no Serrinha, em Brejinho (0,3%), e no Boa Vista (1,19%), em Salgueiro.

Jucazinho, um dos mais importantes da bacia do Rio Capibaribe, no município de Surubim, no Agreste, dispõe de apenas 13,33% da capacidade. Pouco menos que Serro Azul, na Mata Sul pernambucana, em Palmares. O reservatório pertencente à bacia do Rio Una está com 17,5% da capacidade.

Enquanto isso, pelo menos 16 barragens, localizadas especialmente entre o Agreste e a faixa litorânea do estado, estão vertendo. Mundaú, em Garanhuns, no Agreste Meridional, já ultrapassou em 10% a capacidade máxima. Na RMR, os reservatórios Sicupema, Pirapama (100,47%) e Matriz da Luz (101,57%) também estão acima dos 100%. 

José Almir Cirilo, secretário de Recursos Hídricos e Saneamento, assegura que o governo de Pernambuco tem trabalhado em obras nas barragens, com a ajuda do governo federal, para garantir um desenvolvimento econômico e sustentável.

"É importante registrar que todas essas barragens têm usos múltiplos e isso também faz parte da estratégia de convivência com as alterações climáticas. Nós temos, por exemplo, o caso da barragem de Serro Azul, que hoje está praticamente pronto o sistema de adução de água daquela barragem. Vamos levar 500 litros por segundo de água para o Agreste, resolvendo, ao mesmo tempo, um problema de controle de enchentes por uma lado, e o problema de abastecimento por outro. É uma forma de atacar os efeitos e mitigar os impactos das mudanças (climáticas) sob duas óticas distintas", conclui.

Alagamentos e inundações

Divulgado e produzido pelo Instituto para a Redução de Riscos e Desastres (IRDD), da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), em parceria com o Instituto Federal de Pernambuco (IFPE) e a UFPE, um relatório mostra que pelo menos 44% do território da cidade do Recife tem alto risco para ocorrência de inundações, inclusive, com o número de pontos de alagamento tendo aumentado nos últimos três anos.

Atualmente, 54 localidades são monitoradas pelo IRDD na capital pernambucana, especialmente os pontos já reconhecidos pela população recifense como problemáticos, como a Av. Agamenon Magalhães, no trecho entre os bairros do Espinheiro e do Derby, as avenidas Jean Emily Favre e Mascarenhas de Moraes, entre os bairros da Imbiribeira e do Ipsep, e o cruzamento entre as avenidas Recife e Dois Rios, na Zona Sul da cidade.

Osvaldo Girão, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ressalta que as fortes chuvas registradas no Grande Recife nos últimos anos, como a de maio de 2022, representam um nítido impacto das transições do clima.

"Aquele evento (climático) no final de maio de 2022, entre os dias 27, 28, 29 de maio, foi um exemplo acerca de como essas chuvas com intensidade maior, que geralmente estão atreladas a um aquecimento dos oceanos, podendo se tornar até um evento de uma recorrência maior. Então, provavelmente, já temos um indicativo do que as mudanças podem trazer para o estado de Pernambuco, principalmente para a região litorânea: chuvas com a intensidade maior e, logicamente, riscos e perigos maiores para as populações, principalmente as que habitam as áreas de risco, como fundo de vale, áreas de encostas, de colinas, de tabuleiros, muito comuns RMR. Desse modo, levando a eventos como enchentes, alagamentos e movimentos de massa", destaca.

Reprodução/Pedro Alves/G1 - Jardim Monte Verde, uma das localidades mais atingidas pelas chuvas de 2022 no Grande Recife

Pelo menos 60% de toda a população recifense reside em área de morros e encostas. 

Outra região que demanda atenção por parte do governo estadual é a Mata Sul pernambucana, principalmente nas cidades atendidas pela bacia do Rio Una, onde enchentes históricas vitimaram e desabrigaram milhares de pessoas. O secretário José Almir Cirilo afirma que essas áreas estão sendo observadas.

“Foi então estabelecido, já pelos governos anteriores, o início da construção de um conjunto de barragens na Mata Sul, especificamente com a construção de um grupo de quatro barragens, das quais somente uma foi concluída até o final de 2016: a barragem Serro Azul. Agora nós estamos retomando a barragem do Rio Panelas, que é uma afluente do Rio Una. Outra barragem, do Riacho dos Gatos, está em final de licitação. E as outras duas barragens desse complexo, Igarapeba e São Benedito Sul, estão em fase final de revisão dos processos”, declara.

Reprodução/TV Globo - Praça Ismael Gouveia, em Palmares, alagada pelas enchentes de junho de 2010

Alerta

Voz importante sobre as mudanças climáticas em todo o Brasil, o geólogo Marco Moraes, autor do livro “Planeta Hostil”, alerta para os impactos que já estão sendo sentidos no semiárido pernambucano, principalmente nas cidades que dependem do Rio São Francisco.

“A região do Planalto provavelmente não vai ser tão influenciada, porque deve continuar recebendo uma certa quantidade de umidade do oceano, e ainda apresenta as chamadas chuvas orográficas, ou seja, o ar acende, o relevo esfria e precipita na forma de chuvas não muito intensas. Mas para o Sertão, a tendência é que fique ainda mais árido. Um processo de desertificação que já está sendo documentado em todo o Nordeste.

A presença do Rio São Francisco permite que se irrigue as lavouras e, portanto, crie uma região com uma condição econômica diferente. Mas o Rio São Francisco está sendo muito afetado pelas mudanças climáticas, pelo assoreamento e outras atividades humanas. O estado de Pernambuco depende, sua economia depende da continuidade dessas drenagens”, atesta.

Reprodução/Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco - "Velho Chico" assoreado

Em um estado de grandes contrastes, como a presença da desertificação em decorrência do desmatamento da Caatinga, na parte oeste, e ao mesmo tempo, fortes chuvas e cuidados maiores com enchentes na parte leste, é preciso que as mudanças climáticas sejam levadas em conta com ainda mais sensibilidade. Afinal, não há mais tempo para errar.

Ouça a matéria do repórter Lucas Arruda no ‘Play’ acima

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