Opinião - Perdas de ICMS dos estados
Por Mauricio Rands
Os preços dos combustíveis nos postos dependem da política de preços praticada nos mercados do petróleo e gás natural. Deveriam obedecer à Lei do Petróleo (9.478/1997), à Lei das Estatais (13.303/16), bem como aos princípios constitucionais da transparência, livre iniciativa, função social da propriedade e defesa do consumidor. Mas os preços dos combustíveis são também influenciados pelo ICMS. Os estados são competentes para institui-lo (art. 155, § 2º, da CF). Vinham abusando desses poderes, todavia. Por causa da facilidade de cobrá-los. As alíquotas de ICMS-combustível iam de 17% a 32%. Aí veio a Lei Complementar 194, sancionada pelo Presidente da República em 23/06/22, introduzindo o art. 18-A no Código Tributário Nacional (CTN). Os combustíveis, a energia elétrica, as comunicações e o transporte coletivo passaram a ser considerados bens e serviços essenciais e indispensáveis, não podendo ser tratados como supérfluos. Porque o CTN antes não tinha este preceito, os estados distorciam o princípio tributário da seletividade e o praticavam às avessas. Como se esses bens fossem supérfluos, fixavam-lhes alíquotas de ICMS mais altas. Mas o que justifica alíquotas mais onerosas é a sua nocividade à saúde, à economia popular ou por ser supérflua a atividade tributada. O princípio da seletividade, nesses casos, representa decisão correta de política tributária. A maior onerosidade dos preços dos combustíveis, da energia elétrica e das comunicações penaliza consumidores individuais e empresas. E é inconstitucional. Como disse o STF ao aprovar o Tema 745 de repercussão geral: "Adotada, pelo legislador estadual, a técnica da seletividade em relação ao ICMS, discrepam do figurino constitucional alíquotas sobre as operações de energia elétrica e serviços de telecomunicação em patamar superior ao das operações em geral, considerada a essencialidade dos bens e serviços". Decisão que produzirá efeitos a partir do exercício financeiro de 2024. Nesse Tema 745, o STF deixou de fora os combustíveis, que agora foram incluídos pela LC 194 no novo art. 18-A do CTN.
Claro que a LC 194 veio na direção correta. Ninguém deveria ser contra o freio aos abusos dos estados quanto às alíquotas de ICMS-combustível. O problema é que o equilíbrio federativo tem na repartição de receitas um elemento essencial. Os estados terão quer reduzir as alíquotas abusivas que vinham cobrando. Em PE, a alíquota para as operações internas gerais é de 18%. Mas a sanha arrecadadora do atual governador havia aumentado o ICMS-combustível para 25%. Os mesmos 25% que fixara para a energia elétrica. Apenas um pouco abaixo do ICMS-comunicações que aumentara para 30%. Tudo conforme o art. 15 da Lei nº 15.730/2016. Agora, por força da LC 194, Pernambuco teve que aprovar a Lei Estadual nº 17.898, de 15/07/22, que estabeleceu o teto de 18% para o ICMS sobre combustíveis, energia elétrica e serviços de comunicação. O estado de PE estima uma perda de arrecadação de aproximadamente R$ 4 bilhões.
Estima-se que as perdas totais dos estados serão de R$ 73 bilhões em 12 meses. A questão relevante que surge é a da compensação que a União deve fazer aos estados. O presidente, ao sancionar a LC 194, vetou o dispositivo que obrigava a União a compensar integralmente os estados e municípios, em caso de perdas de arrecadação provocadas pelo teto do ICMS, para que os pisos constitucionais da saúde e da educação tivessem os mesmos recursos de antes da nova lei. No texto ficou apenas a previsão de compensação por abatimentos das parcelas das dívidas que vêm sendo pagas pelos estados, inclusive os que se beneficiam de refinanciamento de dívidas com a União (LC nº 159/2017). E, mesmo assim, somente as perdas em 2022. E que excedam o percentual de 5% da arrecadação do mesmo tributo em 2021. Embora o efeito dos cortes no ICMS comecem a bater no caixa de estados e municípios já no próximo mês.
O total das dívidas dos estados a serem pagas este ano é de R$ 11,3 bilhões. SP é o maior devedor (6,7 bi), com quase 60% do total. Seguem o RJ (1,227 bi), Minas Gerais (1,076 bi), RS (484,2 mi), PR (290 mi) e SC (266 mi). PE vem lá atrás (96,1 mi). Se a compensação pelas perdas de ICMS impostas pela LC 194 for feita apenas com esse mecanismo de abatimento do pagamento das parcelas das dívidas dos estados, a consequência é óbvia. Os estados que devem mais serão beneficiados. Abocanharão a maior quantidade de recursos alocados à compensação pela União. Justamente os mais ricos (SP, RJ, MG, PR e SC). Por isso, deveria ser discutida uma nova lei complementar que obrigue a União a compensar os estados com recursos diretos do Tesouro. Ainda que através de uma solução mista em que parte da compensação seja feita com abatimento de pagamento de dívida e parte com transferências diretas da União aos estados. E já a partir de agosto de 2021. Para que não se aprofunde o atual desequilíbrio federativo.
Maurício Rands, advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford