Carta aos 20, por Paulo Rafael
“Incorruptível”, palavra que não se aplica a muitos moradores do lugar. Moro aqui (Recife) há quase 20 anos e sempre critiquei a liquidez nas relações e por isso passei diversos anos sozinho. Julgava inoportuna a presença de muitas pessoas até que aos 17 vi as ruas vazias, o caos tomou conta da população quando a peste surgiu, me fez sentir um vácuo em meu coração e a partir desse momento, percebi que realmente havia desenvolvido sentimentos verdadeiros pelos meus irmãos.
Quando a crise se fez presente, a calamidade foi instaurada em nossos corações por não sabermos se teríamos a sorte de continuar vivos para contar o pós. Foram anos sombrios, anos em que sentíamos o medo correr em nossas veias e rastejar sob nossa pele; tudo era tão incerto que parecia um sonho que você acorda gritando, mas ninguém quer ouvir, ou ninguém se importa em ouvir. Enquanto uns ficavam em casa e tentavam proteger o que ainda lhes restava, outros saíam e arriscavam aqueles que nunca pediram pelo tempo sombrio. Diversas mensagens foram enviadas naquela época, mensagens que contavam sobre a dor dos que perdiam e da esperança dos que nunca baixaram a cabeça.
Um ano depois da pandemia ter nos feito perder pessoas, pensávamos que poderíamos finalmente relaxar, mas então veio o desastre do céu. Foram dias e mais dias de chuva intensa e que mais uma vez nos fez temer e perceber o quão frágil somos. Diferente de quando podíamos ficar em quarentena, dessa vez, não tínhamos aonde ir, apenas torcíamos para que nossa casa fosse aquela uma em um milhão e não fosse inundada como todas as outras; casas derrubadas, shoppings totalmente alagados, tudo caindo e mais uma vez todas as ruas vazias e apenas o caos tomando conta da cidade e o céu escuro pairando sobre nossas cabeças.
Felizmente sou filho de Pernambuco e melhor ainda, sou fruto de Recife e não importa quantas vezes sejamos derrubados por algo ou por alguém, nós sempre nos levantamos e assim fizemos quando a chuva passou e o céu brilhou; mesmo sem ajuda de fora, nos levantamos e enxugamos todo o estrago que foi causado.
Sim, foram anos difíceis para todos, mas também foram anos em que novos amores apareceram, amizades foram fortalecidas e tempos que o sol brilhou intensamente depois de toda a desgraça que nos cercou; mudamos tantas coisas e fizemos tantas coisas que hoje entendo o motivo a frase que fala que “em tempos difíceis, homens fortes são formados.”. Não foi fácil e talvez nunca mais seja, mas sempre estaremos aqui prontos para ressurgir mais uma vez.
Paulo Rafael é autor do livro O Coração e o Tinteiro.