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Saúde

Sem materiais, crianças com microcefalia aguardam por cirurgia no quadril em Pernambuco

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Por: REDAÇÃO Portal

Passados dois meses, mais de 130 crianças ainda aguardam pela intervenção cirúrgica

26/07/2024
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Passados dois meses, mais de 130 crianças ainda aguardam pela intervenção cirúrgica

Foto: Sumaia Villela/Agência Brasil

Em maio de 2024, a Secretaria Estadual de Saúde (SES-PE) anunciou que a demanda por cirurgias de quadril em crianças com microcefalia, vítimas do surto de zika vírus em 2015, passaria a contar com um cronograma. Até agosto, duas cirurgias por mês seriam realizadas no Hospital Otávio de Freitas, no Recife, que é referência em traumato-ortopedia. Passados dois meses, mais de 130 crianças ainda aguardam pela intervenção cirúrgica, capaz de acabar com as dores intermináveis causadas pelo desgaste do quadril e da coluna, que apresentam má formação nessas crianças.

Do ponto de vista clínico, o cenário se torna mais preocupante devido à falta de material e instrumentos operatórios para as cirurgias. Do ponto de vista humano, também se nota o descompasso no diálogo com as mães. E no meio de tudo isso, as crianças não param de sentir dor.

Zika e microcefalia

O surto do vírus zika, transmitido pelo mosquito Aedes aegypti, entre 2015 e 2017, fez o Governo de Pernambuco decretar estado de emergência devido à alta de casos da infecção ligados à microcefalia congênita em crianças recém-nascidas. Segundo dados mais recentes divulgados pela Secretaria Executiva de Vigilância em Saúde e Atenção Primária, entre as semanas epidemiológicas 30 de 2015 e 13 de 2023, foram confirmados 473 casos de Síndrome Congênita do Zika, e 276 óbitos suspeitos de SCZ em Pernambuco, dos quais 39 foram confirmados.

Ainda em dezembro de 2015, a então presidente Dilma Roussef deu o tom à importância do tema, que passaria a ganhar destaque nos noticiários do País.

“Nós vamos lançar lá em Pernambuco, o primeiro teste do plano de ação, prevenção e combate ao vetor chamado de zika vírus. Estamos mobilizando o Exército, a Marinha e a Aeronáutica para nos ajudar nesta ação”, detalhou à época a presidente.

Há 9 anos, mais de 400 famílias em Pernambuco tentam, cotidianamente, diminuir o sofrimento dos pequenos, que não conseguem verbalizar o desconforto. Por isso, o choro acaba sendo a única forma de comunicar a dor.

Cirurgia

Epitácio Rolim é ortopedista, e acompanha as crianças com microcefalia causada pelo zika vírus desde o surto de casos no estado, em 2015. A qualidade de vida é o principal ponto destacado por ele, quando questionado sobre a necessidade da intervenção cirúrgica no quadril dessas crianças.

“Nós sabemos que a má formação do quadril termina ocasionando desgaste da cabeça do fêmur. É como uma pessoa mais velha, com artrose. Todas as vezes que nós temos dor, assumimos uma posição de defesa, que pode causar contraturas mais graves. A dor é um gatilho para convulsão, impossibilita dessas crianças sentarem, e pode levar a outras comorbidades, como a broncoaspiração; até mesmo à morte”, ressalta.

Foto: Maira Arrais/Polo Médico

Thaysa Vitória era uma das crianças cuja realização da cirurgia no quadril demandava urgência. Sua mãe, Thuana Regina, conta que qualquer movimento feito pela menina poderia levar, até mesmo, a crises convulsivas, tamanho o sofrimento.

“Depois da cirurgia eu nem lembrava mais como ela era antes. Ela chorava muito, a gente passava a madrugada acordada mudando a posição dela, e dava dipirona, ibuprofeno; nada melhorava a dor. Agora, depois da cirurgia nos dois lados do quadril, ela dorme praticamente o dia inteiro, se deixar. Eu troco fraldas sem problemas, dou banho. Ela está tendo uma nova vida”, relata.

Em Pernambuco, a União de Mães de Anjos (UMA-PE) atua prestando acolhimento e assistência às mulheres e crianças vitimadas pelo vírus da zika. Germana Soares, presidente da UMA-PE, percebe a possibilidade de uma nova vida após a realização do procedimento cirúrgico no quadril.

“Essa criança volta a dormir, ela tem a possibilidade de sentar; se ela senta, volta a ser cadeirante, porque elas estão acamadas justamente por conta do quadril. Se ela volta a sentar, volta a ir para a escola, volta às terapias, tem uma oportunidade de ter um lazer. É qualidade de vida”, pontua.

Foto: Maíra Arrais/SES-PE - Germana fala em reunião com a SES

Demanda e urgência

No entanto, o médico Epitácio Rolim lembra: estamos atrasados. A cada hora, os pequenos que aguardam na fila pelas intervenções, correm o risco de verem um sonho se transformar em pesadelo. Afinal, com o agravamento da deterioração do quadril, pode ser tarde demais.

“Essas crianças agora estão com 8 anos de idade, completando 9, algumas delas. Então a luxação já vem de longo tempo. E isso termina inviabilizando a cirurgia que nós chamamos de reconstrução do quadril. Essa é uma cirurgia que nós devemos fazer bem antes, entre 3 a 4 anos de idade, para que a intervenção seja menos agressiva, mantendo o quadril no lugar: e lá atrás eu avisei isso, em 2018, mais ou menos.

Foto: Reprodução/Internet

E como destaca Germana Soares, a fila não para de aumentar, e ainda assim, faltam equipamentos para atender as crianças.

Nosso último levantamento, mostrou 139 crianças. Eles (a Secretaria Estadual de Saúde) continuaram as cirurgias, mas de forma singular, porque o material necessário - que é um material refinado - e as placas necessárias para (solucionar) as luxações não chegaram. Eles começaram a operar as crianças “no fim da fila”, que estão menos graves e fora do risco de óbito. As mais graves precisam do material para operar”, conta.

Epitácio Rolim também fala sobre a ausência do material necessário para realização dos procedimentos.

“Estamos sem os equipamentos, sem o material, como a placa e alguns instrumentais, aí deu uma parada nas cirurgias. A placa para reconstrução (da cabeça do fêmur) mesmo, até agora não foi adquirida. Eles (a Secretaria Estadual de Saúde) estão adquirindo. Nós estamos em contato com eles”, afirma.

Gabriela Cunha, de 28 anos, sabe o que passa e sente vendo sua filha, Emilly Victória, sofrer em decorrência da má formação no quadril, a qual, no caso da pequena, se une à escoliose. Após assistência da UMA-PE e atendimento pelo ortopedista, a necessidade da cirurgia para Emily foi identificada, mas até então, tudo é espera.

“Hoje, Emily não consegue mais abrir a perna. Só fica em uma posição. Quando vai trocar a fralda ou dar banho, ela chora e grita muito. Tem dia que ela chora o dia todo. E o governo começou a fazer um mutirão. A Secretaria de Saúde me ligou para pedir informações de Emily, pediu fotos do (exame de) Raio-X…. E até então, não tive mais retorno”, declara.

Procurada pela reportagem da CBN Recife, a Secretaria Estadual de Saúde (SES-PE) informou que segue executando o cronograma de procedimentos cirúrgicos, divulgado em 22 de maio, duas vezes por mês. A pasta continua com a perspectiva de ampliar o número de intervenções cirúrgicas a partir de agosto, quando outros serviços de saúde devem participar mais ativamente, além do Hospital Otávio de Freitas. Sobre a falta de material, a Secretaria não se posicionou, alegando que “as cirurgias continuam acontecendo”.

Luta

Incansável, Germana Soares, presidente da UMA-PE, pede a compreensão e a sensibilidade das autoridades. Ela reforça que o tempo está passando.

“Na semana que vem já é agosto e esses materiais não chegaram. Há quantos meses estamos falando sobre isso? Já tivemos audiências, inúmeras reportagens, documentos. E o que falta?”, questiona.

Gabriela também segue na luta.

“Você já pensou em sentir dor as 24 horas do dia? Ainda mais uma criança que não sabe se comunicar, não sabe falar. A comunicação dela é um choro”, afirma.

Gabriela, mãe de Emilly, também insiste para que a filha tenha qualidade de vida. Uma dívida não só de Pernambuco, mas do estado brasileiro. O que deveria ser um direito, na verdade, assume o lugar de clamor. É assim para 400 famílias em Pernambuco.

Foto: Divulgação/Alepe

Esta reportagem utilizou material de áudio do Canal GOV e da União de Mães de Anjos de Pernambuco.

Com sonorização de Lucas Barbosa, produção de Lucas Arruda e edição final de Daniele Monteiro, reportagem, Maria Luna

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