Preparar as comidas de milho, montar a fogueira e decorar constroem memórias há gerações
Foto: Arquivo Pessoal/Jullya Victoria
No Nordeste, antes das festas de rua, os ritos e costumes juninos começam dentro de casa. Com uma herança cultural forte, acender a fogueira, preparar o milho e pendurar os balões são garantias de que a festa vai ser arretada durante todo o mês, mas especialmente em São João e São Pedro.
Foto: Arquivo Pessoal
E o carinho em preparar cada detalhe pode ser percebido de longe. Em Carpina, no interior de Pernambuco, uma casa sempre chama atenção por não economizar quando o assunto é decoração. É a casa de Dona Ana, que faz questão de, ano após ano, desde 1960, iluminar e montar uma grande decoração em toda a residência: da fachada até os ambientes de convívio familiar, como explica a filha de Dona Ana, a Marlene.
“Tudo começou quando os meus pais moravam em um sítio situado em Lagoa do Outeiro, que era distrito de Nazaré da Mata, onde tinham a tradição dos festejos juninos. Na década de 1960, deram continuidade aqui em Carpina, onde começaram a decorar o quintal da nossa casa. A gente soltava balões e fogos de artifícios, acendia fogueira e sempre tinham comidas típicas. Com o tempo, ficou proibido soltar balões. Mas para não perder a tradição, passamos a decorar a frente da casa, que hoje é montada pelo o meu irmão Ednaldo. Nossa comemoração é sempre em família! São datas importantes que nos trazem recordações”, conta.
Foto: Arquivo Pessoal
Família unida
Desde a infância da professora aposentada Jaciane Monteiro - natural de Nazaré da Mata, a Terra do Maracatu -, preparar as comidas típicas do São João é um trabalho sério. Ela conta que, do mais novo ao mais velho, todo mundo assume uma função na cozinha para preparar os alimentos. Assim como na casa dela, até hoje, várias famílias nordestinas montam uma verdadeira linha de produção no mês de junho.
“Íamos todos para a casa da minha avó. As crianças ficavam encarregadas de descascar o milho e separar as melhores palhas, as minhas tias costuravam as palhas para fazer as pamonhas, o milho era cortado e moído pelos homens, para depois a minha avó e minhas tias temperar as comidas. Era aquela festa, que saudade!”, relata.
Ainda que o tempo tenha passado, a tradição da família Monteiro segue viva!
“Mesmo que a nossa família tenha diminuído, continuamos nos reunindo para preparar as comidas típicas da época”, diz a professora.
Foto: Arquivo Pessoal
Memória e resistência
A linha de produção também fez parte da história da família da estudante de Design Jullya Victoria, de Timbaúba, na Mata Norte pernambucana. Ela conta que, enquanto as mulheres ficavam com o preparo das comidas, os homens iam montar um dos símbolos mais fortes do São João: a fogueira.
“Os homens pegavam pedaços de madeira na beira do rio, às vezes alguém dava madeira, ou até mesmo arrumada de algum jeito. Daí se fazia duas fogueira: uma na frente da minha casa e uma na casa de vovô. Era uma fogueira grande que queimava no dia de São João e ainda sobrava. Então a gente apagava a fogueira e deixava ela coberta, guardadinha lá na frente da casa. Quando chegava São Pedro, a gente reacendia a mesma fogueira, relembra.
Foto: Arquivo Pessoal
Atualmente, os avós de Jullya já são falecidos, e a família também diminuiu. No entanto, ela e os pais tentam manter acesa a chama da tradição.
“Hoje em dia a gente mantém essa tradição na minha casa, mas já não tem mais divisão de tarefas. Todo mundo ajuda em tudo, porque é muita coisa pra fazer. Painho ainda gosta de fazer fogueira, então eu e meu irmão ajudamos. A minha mãe faz as comidas de milho, e de tanto ficar do lado de vó fazendo as comidas, eu fui pegando o ponto das comidas de milho, e agora sou eu quem faço”, conclui.
A fogueira, como símbolo junino, ilumina os costumes. O milho, e tudo que dele é feito, dá gosto à memória de tantas festas vividas pelas famílias reunidas em meio à beleza dos balões, das bandeiras e daquilo que torna as casas dos nordestinos ainda mais bonitas durante o São João.
Ouça a matéria dos repórteres Lucas Arruda e Aline Melo no 'Play' acima
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