Retorno às aulas presenciais em Pernambuco: necessidade ou perigo?
Especialistas, autoridades governamentais e pais discutem sobre o tema que está dividindo opiniões
Foto: Pexels/Alexandra Koch
Por Antonio Diniz
A volta às aulas presenciais continua dividindo opiniões. Enquanto uma parcela da sociedade defende a retomada, outras pessoas discordam. Desde março deste ano que as escolas paralisaram as atividades habituais em virtude da pandemia do novo coronavírus, decretada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) no dia 11 de março. A alternativa encontrada pelas escolas, durante o período de crise, foi o sistema de ensino a distância (EAD), com aulas remotas através das plataformas online, como Google Classroom. No entanto, após a estabilização no número de casos de pessoas infectadas em Pernambuco e retomada das atividades econômicas, o único setor que ainda continua paralisado é o da educação.
Havia uma expectativa, por parte da população e dos órgãos regulamentadores, que as atividades educacionais fossem retomadas nesta primeira quinzena de agosto. No entanto, devido ao aumento no número de casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) associada à Covid-19, a Região Metropolitana do Recife (RMR) não irá avançar no Plano de Convivência das Atividades Econômicas. Por consequência, o governo do estado anunciou a prorrogação do prazo de liberação das aulas presenciais, alegando que elas continuarão suspensas até o dia 15 de agosto. Após esse prazo, deve ser divulgado um cronograma pela Secretaria Estadual de Educação, com as datas de retorno às aulas presenciais da educação básica, para o ensino superior e para os cursos livres.
De acordo com o presidente do Sindicato das Escolas Particulares de Pernambuco, prof. José Ricardo Diniz, a expectativa agora é que aconteça um retorno progressivo gradativo a partir do dia 17 de agosto, com a concomitância entre o ensino remoto e presencial. Ele defende a volta e acredita que, na primeira semana de setembro, todos os segmentos da escola, do ponto de vista presencial, estejam funcionando, ao mesmo tempo do plano remoto. “Eu vejo vários benefícios nesse retorno. Primeiro que vai se instaurar mesmo o ensino híbrido. Esse é um aspecto muito positivo. O segundo ponto positivo será uma convivência dentro de restrições, de novas regras, isso tem um papel educativo muito importante, porque nós imaginamos que ficar em casa será uma opção da família e ir ao espaço físico escolar também. Há muitas famílias que precisam retornar ao ambiente escolar, porque tem uma realidade dentro de sua casa que compatibiliza com esse retorno. Então, por que não estabelecer essa alternativa?”, questiona o presidente.
Para que a volta aconteça com segurança sanitária, as instituições de ensino precisarão seguir protocolos de higienização, estabelecidos pelos órgãos de saúde, como a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Segundo o pediatra e vice-presidente da Sociedade de Pediatria de Pernambuco (Sopepe), Eduardo Jorge, os dados epidemiológicos de cada região precisam ser analisados, além estarem em declínio por, no mínimo, quatro semanas, para que a retomada seja considerada. Além disso, todos os cuidados precisam ser seguidos, como, por exemplo, o limite de 30% do número de alunos presenciais por dia; modelo de ensino híbrido, com alguns dias presenciais, outros em casa; escalonamento dos horários de entrada, de saída, de recreio, mantendo grupos fixos; distância entre as bancas de 1,5 m; uso obrigatório de máscara; lavagem das mãos a cada duas horas, com água, sabão e papel toalha. “Não existe um plano perfeito de reabertura da escola com segurança, apenas opções razoáveis. Os protocolos devem ser individualizados de acordo com a particularidade de cada escola, pois não temos um protocolo único que se adeque a todos, visto que cada instituição apresenta necessidades e realidades distintas”, aponta o especialista.
Sala de aula em Manaus, com divisória de acrílico nas mesas para evitar o contato entre as crianças, além do distanciamento entre elas.
José Ricardo Diniz defende que as medidas serão eficazes para proteger todos os envolvidos no âmbito educativo, desde alunos aos professores e funcionários, já que são protocolos cientificamente indicados, com respaldos técnicos. “Simplesmente dizer que uma criança não pode colocar máscara, que uma criança não vai se adaptar à máscara, é você não acreditar num processo educativo. Estamos vivendo um novo tempo, com uma nova normalidade, a pandemia não vai acabar num click, num estalar de dedos. Então, é preciso educar, como vem acontecendo no mundo todo”, afirma o professor.
A professora e doutora em educação, Catarina Gonçalves, destacou que enxerga, neste momento, um retorno é precoce, pois ainda não há um declínio considerável do estado pandêmico, fundamental para a volta das atividades, o que põe em xeque a urgência dessa retomada. Ela ressalta a importância do ambiente escolar, enquanto local protetivo, sobretudo às crianças em situações difíceis no âmbito familiar, mas é contrária à reabertura pelos outros aspectos que podem apresentar perigos. “A gente precisa resguardar as crianças na sua inteireza. Sabemos que no Brasil a gente tem um número alto de crianças vitimadas pela violência intrafamiliar, esse é um agravante e muitos tem pedido a retomada das escolas em torno disso. Também temos crianças em situação de vulnerabilidade, mas, de modo geral, o cenário de escolas que atendem a maior parte dessas crianças vulneráveis estão sem nenhuma condição de retomada, temos um número alto de escolas públicas que sequer possuem água encanada, possuem água corrente, como é que a gente pode pensar num retorno seguro enquanto as escolas não estão preparadas para isso?”, argumenta a professora.
Ainda de acordo com a doutora, é preciso fazer um recorte social e lembrar que a maioria absoluta do alunado brasileiro, é frequentador das escolas públicas e não está sendo visto um movimento importante e sistemático de investimento para que os espaços públicos sejam preparados. “A gente tem uma série de desafios do âmbito estrutural, de preparar essas crianças para que elas possam estar mais seguras nesses ambientes. A gente vê um avanço nas escolas particulares, até por uma questão econômica, de diversas ordens, com diversos investimentos, enquanto nas instituições públicas a gente não tem visto grandes investimentos. Enquanto a gente tem o alunado das escolas públicas, com acesso muito precário a esse ensino à distância, a gente tem as escolas particulares investindo pesado em tecnologia, pesado em metodologias inovadoras para dar conta dessas questões”, contesta Catarina.
Além das questões estruturais e sociais, a especialista ainda salienta os desafios referentes ao campo da ética e da cidadania. Ela explica que o momento exige um pensamento crítico, coletivo e justo, que analise todos aspectos envolvidos e não apenas determinados interesses. “Não dá para voltar às aulas apenas por um discurso e por uma necessidade de determinadas famílias, a gente precisa voltar às aulas de forma responsável quando isso for um fator pensado, ponderado e cuidado. Os direitos das crianças, os direitos fundamentais das crianças, da saúde, da educação, eles precisam estar como prioridade, assim como destaca a nossa constituição. É preciso que o país esteja pronto e num país onde já morreram 90 mil pessoas, há evidências de que nós não estamos preparados ainda”, ressalta Gonçalves.
A visão dos pais
A maioria dos pais defende a suspensão das aulas durante o mês de agosto. Uma pesquisa, realizada pela Datafolha, explicita isso ao apontar que 76% dos brasileiros acreditam que as escolas devem continuar fechadas. A administradora, Amanda Diniz, é um desses exemplos. Ela é contra o retorno da sua filha de 6 anos, do 1º fundamental, Dominique Diniz, às atividades escolares devido ao índice alto de contaminação. “Manterei ela em casa. Acho que só deveriam pensar em retorno das aulas quando tiver testes rápidos disponíveis e gratuitos para todos para que haja o controle sobre o vírus. Até lá, é melhor aperfeiçoar o método de ensino online”, defende a mãe.
Ainda de acordo com Amanda, apesar dos desafios de adaptação, tanto para ela, como para Dominique, atualmente, a experiência já está mais agradável e inserida no cotidiano. “Hoje já criamos uma rotina matinal, ela mesma liga o iPad, acessa o aplicativo e assiste às aulas. Não é perfeito, tenho que ficar dando assistência nas tarefas e reforçar o que foi ensinado”, conta Diniz.
Dominique Diniz realizando as atividades através do ensino remoto.
Já o professor universitário e advogado, Fábio de Sá, afirma que é a favor parcialmente, pois entende os motivos pelos quais alguns defendem a volta, mas também compreende a apreensão da grande maioria. De acordo com ele, o que deve acontecer é uma volta parcial, de acordo com a faixa etária dos alunos, para que os mais velhos e conscientes possam voltar, enquanto as crianças, como os filhos dele, um casal de gêmeos que possuem 3 anos, Fábio de Sá Neto e Sofia de Sá, permaneçam em casa. “Eu não acho que seja o momento adequado, enquanto não houver a vacina ou tratamento com interação medicamentosa eficaz, não seria ainda o momento para retornar às atividades. Mas, a gente sabe também que tudo precisa voltar a ter um mínimo de funcionamento, para que a economia volte a ter sua respectiva finalidade atingida, pois é movimentando a economia que as pessoas, logicamente, vão poder ter sua fonte de renda e muitos estão dependendo disso, pois as atividades, de modo geral, foram prejudicadas. Então, eu respeito a decisão das autoridades, mas numa opinião particular, acredito que ainda não seja o momento adequado”, finaliza o pai.
O debate continua entre as autoridades e a sociedade civil até que uma decisão seja estabelecida. Em entrevista concedida ao programa CBN Recife nesta segunda-feira (03), o secretário de Educação, Fred Amâncio, afirmou que esta semana será repleta de reuniões para analisar os dados epidemiológicos e planejar o retorno em questão. Enquanto isso, a recomendação continua sendo para que os alunos, professores e funcionários fiquem em casa, se protejam e tomem as medidas necessárias para conter a disseminação da Covid-19, até que o retorno seja seguro.
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