Os impactos do ano atípico de 2020 nas eleições municipais
Devido à pandemia, candidatos e eleitores enfrentam contexto eleitoral diferente, com campanhas voltadas para as redes sociais e problemas que ultrapassam a agenda política tradicional por causa da crise sanitária mundial
Foto: Reprodução/Internet
Por Antonio Diniz
As eleições municipais de 2020 enfrentarão um cenário completamente atípico, influenciado pela crise sanitária, política e econômica, gerada pela pandemia do novo coronavírus, que causou impactos graves no sistema público de saúde, aumentou o número de desempregados do país, além dos desafios anteriores aos problemas atuais, como o fenômeno das fake news, responsável pelo desequilíbrio instaurado nas eleições de 2018. Se o processo eleitoral, normalmente, é repleto de desdobramentos, o contexto atual tem tudo para mudar as estratégias dos candidatos e o comportamento dos eleitores. Afinal, quais serão os maiores desafios potencializados pela conjuntura atual?
De acordo com a cientista política, Priscila Lapa, os discursos e as estratégias dos candidatos precisarão estar alinhados com a capacidade de dar conta dos desafios impostos pela pandemia, visto que a crise sanitária afeta todos os níveis da sociedade e as pessoas estão em busca de representantes que ofereçam segurança, soluções e propostas efetivas. “A questão da confiança nos candidatos é sempre uma variável importante no processo eleitoral, mas, de qualquer modo, nesse ano, com essas variáveis ligadas à pandemia, torna-se um ingrediente fundamental”, aponta Priscila.
É fato que a campanha eleitoral será feita através da internet e das respectivas redes sociais, já que os eventos tradicionais, como comícios e passeatas, vão de encontro aos protocolos sanitários, pois causam aglomerações. A especialista ressalta que o isolamento social, sugerido pelos órgãos de saúde, exige dos futuros prefeitos e vereadores a necessidade de criar uma empatia muito mais forte com os eleitores, mostrando segurança, capacidade de gerir no momento de crise, mas também de contemplar as agendas que já eram comuns, vindas de outros ciclos eleitorais, como o combate à corrupção, segurança pública, acesso à educação e à saúde.“As estratégias de fazer a campanha majoritariamente por meios virtuais para mobilizar os eleitores vai passar muito por essa credibilidade, por essa restauração da confiança na política e também por essa empatia com eleitor, porque o eleitor vai estar sendo bombardeado por todos os lados”, afirma a cientista.
No entanto, devido à essa cobertura majoritária por meio das mídias digitais, a disseminação de notícias falsas é um aspecto preocupante, porque, apesar de atualmente existirem agências verificadoras e uma experiência consequente das eleições presidenciais de 2018, o ambiente digital ainda não é completamente seguro e repleto de credibilidade. Muitos fatos distorcidos, às vezes propositalmente, ainda circulam pelas redes, podendo formar opiniões, gerar posicionamentos e distorcer acontecimentos.
Segundo o Procurador Regional Eleitoral, Wellington Cabral Saraiva, o fenômeno das notícias falsas decorre de uma postura cultural das pessoas e não existe forma da Justiça Eleitoral, nem do Ministério Público Eleitoral, nem a Polícia, nem de nenhum órgão estatal, controlar as comunicações que circulam pela internet e pelos grupos de mensagens, porque a liberdade de expressão dos cidadãos deve ser preservada. “O estado não existe para monitorar todas as comunicações das pessoas, isso seria próprio de um regime totalitário. Mas, por outro lado, as pessoas tem que fazer a sua parte em cuidar para não divulgar notícias falsas. O movimento de defesa da verdade necessita da participação de todos os cidadãos e cidadãs. As pessoas tem que se educar, se instruir, para não acreditarem em tudo que recebem e não divulgarem aquilo sem se certificar que se trata de uma informação verídica”, reforça Wellington.
Todavia, existem leis, estabelecidas na Legislação Eleitoral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que buscam coibir a disseminação de notícias falsas, como o Art.323, que prevê que a divulgação de fatos inverídicos em relação a partidos e candidatos, capazes de exercer influência no eleitorado, é crime punido com detenção de dois meses a um ano ou pagamento de multa. O Art.324 também pune a calúnia eleitoral, que atribui a alguém a prática de um crime, durante o período de propaganda ou até mesmo antes do período oficial de propaganda. Além desses, mais recentemente, em 2019, o código eleitoral foi alterado para receber a inserção do Art.326, que consiste no que se chama de denunciação caluniosa eleitoral. “Denunciação caluniosa é a conduta criminosa de quem comunica às autoridades a prática inverídica de um crime e, em razão disso, se inicia uma investigação policial, um processo judicial, uma investigação administrativa ou investigação por improbidade administrativa”, detalha o procurador.
Outro tópico fundamental, abordado pela especialista é em relação às regras para a campanha eleitoral na internet, publicadas pelo conjunto de normas do TSE. Ela explica que existem limites para as propagandas veiculadas no Facebook e Instagram. Assim como na propaganda convencional, é necessário declarar os gastos, precisa ter o CNPJ e declarar quem está por trás do patrocínio da propaganda. “A gente pode dizer que, na eleição de 2020, os mecanismos de investigação e de combate à crimes cibernéticos vão ser muito mais incisivos”, destaca a pesquisadora.
O procurador reforça que os gastos e receitas de campanha necessitam ser rigorosamente contabilizados em uma conta bancária, alegando que eles têm que transitar por uma conta específica, aberta para campanha, e têm que ser documentados para que depois, no momento apropriado, as candidatas e candidatos, mesmo que não sejam eleitos, apresentem a prestação de contas que a justiça eleitoral exige. “Existem regras, estabelecidas em uma resolução do TSE sobre prestação de contas, são regras bem detalhadas, que todos precisam observar para que as suas contas não sejam julgadas irregulares. Caso eles não prestem essas contas ou se as contas possuírem defeitos graves demais, elas podem ser consideradas não prestadas e isso tem consequências para os candidatos como, por exemplo, a necessidade de devolver valores recebidos do Fundo de Financiamento de Campanha e até gerar a impossibilidade dos eleitos de receberam a certidão de quitação eleitoral, o que gera reflexos sobre os direitos políticos deles”, salienta Saraiva.
Para a cientista política, o contexto das eleições municipais do Recife é de fragmentação, tanto das candidaturas alinhadas à esquerda, quanto as de direita, e, sobretudo, de anseio por partes dos eleitores, que querem uma renovação no quadro de lideranças políticas. De acordo com ela, haverá uma disputa acirrada entre os candidatos do mesmo segmento eleitoral, como, por exemplo, Marília Arraes e João Campos, que provavelmente disputam votos no mesmo espectro político. “Ao mesmo tempo que o candidato que vai tentar ser o sucessor de Geraldo Julio, dentro do PSB, que é o deputado federal João Campos, tem essa dificuldade de manter a aliança frente popular unida em torno da sua candidatura. A oposição, por outro lado, também ainda não conseguiu viabilizar uma candidatura que reúna todos esses anseios de mudança e que possa realmente rivalizar com a candidatura de centro-esquerda”, ressalta Priscila.
Calendário eleitoral
Do dia 31 de agosto ao dia 16 de setembro inicia-se o período de destinado às convenções partidárias e à definição sobre coligações. A partir do dia 26 de setembro, encerra-se o prazo para o registro das candidaturas. Por causa disso, nesta segunda-feira (23), o Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco (TRE-PE) realizará uma reunião com os partidos políticos, com o intuito de orientar as legendas sobre o processo de registro de candidaturas. O diretor geral do TRE-PE, Orson Lemos, pontua que todo registro será virtual e por isso precisa da reunião para esclarecer determinadas questões. “São 34 partidas válidos. Eles vão ter um período muito curto, são 10 dias para que eles apresentem a relação de filiados. Ou seja, são 10 dias que eles não podem errar, se errar ou não fizer, não tem candidato para aquele partido. Por isso, é importante nós estarmos convocando agora, ainda em agosto, para tirar essas dúvidas, esclarecer como funciona o sistema, para que ele já vão treinando, alimentando as bases e colocar os dados das pessoas que vão ser candidato”, explica Orson.
Para os eleitores, o período é de convocação dos 84 mil mesários de Pernambuco. “Solicitamos para quem desejar ser mesário voluntário, que entre no aplicativo e-Título e aperte no botão ‘mesário voluntário’, pois já ajuda bastante a gente. A partir de setembro, nós vamos começar a levar orientações de votação, de como vai trabalhar, como vai ser a sessão, até chegar o ponto de explicarmos a justificativa. Para o eleitor, é aguardar o final de setembro”, diz o diretor.
É importante destacar que primeiro turno das votações está marcado para 15 de novembro, e o segundo, para 29 de novembro. O procurador Regional Eleitoral destaca o planejamento que está sendo feito para que os locais de votação estejam seguros e não tornem-se centros de contaminação. “Haverá marcação no solo dos locais de votação, o TSE está examinando a possibilidade de um horário específico para as pessoas do grupos de risco, como idosos, o que aumentaria o horário da votação para que as pessoas não precisem se concentrar. Foi abolida a necessidade de uso de biometria para evitar o contato com o equipamento, porque ele não poderia ser limpo com álcool 70% sem danificá-lo”, conclui Wellington Cabral Saraiva.
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