Um plano para salvar a democracia
Por Maurício Rands
Em seu último livro (“The crisis of democratic capitalism”,2023), o editor de economia do Financial Times, Martin Wolf, brinda-nos com uma análise dos riscos que hoje pesam sobre o futuro do planeta. Começa por analisar a combinação histórica entre a economia de mercado e a democracia que forjou a nossa época. A partir daí, baseado em bom lastro teórico e evidências sérias, ele analisa a crise em que mergulhamos.
Para entender as razões dessa crise da democracia e da sociedade de mercado, ele mostra como as mudanças econômicas de longo termo deterioraram substancialmente a situação econômica e social de expressivos setores. Sobretudo nos países ricos, mas também em emergentes como Brasil, Turquia e Hungria. O fator detonador foi o aguçamento das perdas econômicas, os choques financeiros e o aumento da desigualdade. As decepções econômicas, em suma. E a isso se somou a angústia desses setores com as mudanças culturais em favor de antigas minorias, bem como a questão da imigração. Tudo erodiu a confiança no establishement e produziu a mudança política que hoje põe em dúvida a própria democracia.
Ele identifica a emergência de um capitalismo rentista com problemas que se somam. Financialização, má-governança corporativa, comportamento oportunista de acionistas e altos executivos, mercados monopolizados em que o vencedor fica com tudo, declínio da competição, evasão fiscal, rentismo e erosão de standards éticos. Essas são "falhas da liberalização". Oimenso e desproporcional crescimento das atividades financeiras é visto mais como instrumento de extração rentista do que do desenvolvimento produtivo. Seja pelo monopólio, seja pela exploração de brechas fiscais, a elaboração das leis e o funcionamento das instituições têm sido capturados por interesses poderosos. Tudo isso é agravado por problemas recentes: a queda do crescimento da produtividade, o impacto desbalanceado das novas tecnologias, as mudanças demográficas e a ascensão de países como a China.
Esse mal-estar estaria colocando o que ele chama de “capitalismo democrático” diante de duas duas versões autoritárias: um “capitalismo demagógico autoritário”, que pode ser identificado nos governos de Trump (EUA), Duterte(Filipinas), Erdogan (Turquia), Kaczynski (Polônia), Orban (Hungria), Putin (Rússia), Bolsonaro (Brasil) de Modi (Índia); e um “capitalismo burocrático autoritário” (China e Vietnã).
Na crise, surgem duas tribos incomunicáveis e intolerantes. Uma, a do “populismo demagógico autoritário”, com ideias extremistas impermeáveis às evidências, à ciência e ao pluralismo. A outra, a do “progressismo identitário”, com sua cultura de cancelamento, um misto de arrogância e intolerância, vendo como inaceitável o dissenso com os valores de sua tribo. Essas atitudes antidemocráticas alimentam a polarização que hoje vivemos.
Nesse quadro, Wolf dedica-se a avançar uma agenda de reformas sem as quais a democracia pode estar em perigo. Advoga uma reforma radical da economia capitalista, embora preservando o que nela é positivo. Buscando ser realista, ele defende ações incrementais. “Piecemeal social engineering”, na expressão de Karl Popper. Para as mudanças necessárias, a humanidade vai precisar de engajamento público e liderança política capazes de indicar direções e objetivos. Sempre informada por uma tecnocracia apta a prover as evidências e soluções a serem processadas democraticamente pela polis. Com foco em eliminar nossos problemas e males ele propõe que se garantam seguridade, oportunidade, prosperidade e dignidade a todos. E acrescenta que aos mais bem sucedidos economicamente não pode ser permitido controlar o sistema político, manipular mercados, infligir danos como os ambientais, estabelecer oligarquias hereditárias ou evadir-se do dever de pagar tributos. Esses objetivos representariam um novo “new deal” (atualizando o proposto por Roosevelt), num quadro deestado de direito e de economia social de mercado. Seriam concretizados através de um conjunto de reformas pontuais na direção de assegurar bem-estar aos povos e combatendo a concentração de poder econômico e político que distorce ao mesmo tempo o mercado e a democracia. Bem demonstrando a viabilidade das sugestões, ele desafia o leitor a pensar radical, sistemática, rigorosa e realisticamente. A pensar fora da caixa. A sair de suas bolhas. Trata-se de conseguir mobilizar as pessoas para deixar de lado as diferenças de visões globais de mundo. Se nos concentrássemos em medidas concretas como as que ele sugere, talvez lográssemos alguns consensos parciais para realizar reformas graduais que melhorariam a vida de milhões. E para gestar modelos de sociedades que sirvam a todos, não apenas a algumas minorias poderosas. No presente e no futuro. Para salvar a democracia e a sociedade aberta, ele propõe o objetivo de forjar modelos de sociedades em que a cidadania política e econômica seja estendida a todo o povo.
Maurício Rands, advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford
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