Opinião | Os mosaicos do Imperador
Uma cidade é feita, refeita e vivida em seus becos, ruas, logradouros, passeios, e, no caso do Recife, também em pontes, morros e alagados. Mas uma cidade é, sobretudo vida, estado de espírito, astral, claro que fortemente marcada pelos pilares de sua formação e por circunstâncias recentes e presentes no cotidiano de sua gente.
Sirvo-me dessas imagens para encontrar outras que precisam da mão e da solidariedade do poder público. A primeira, que por si poderia bastar, é a da Rua do Imperador Pedro II, título deste texto.
Não é de hoje que pessoas desesperançadas ocupam a calçada da via que homenageia aquele que veio nos visitar em 1859. A rua, bem mais que centenária, acolhe a Justiça estadual, a capela dourada, o convento franciscano, a OAB, Gabinete Português de Leitura e o Arquivo Público, entre outras instituições. Essa área está praticamente anexa à Praça da República, onde se avizinha o Palácio do Campo das Princesas, sede do Governo de Pernambuco. Tal sítio também acolhe ao relento algumas dezenas de infortunados, que se tratam e são tratados como seres humanos de qualidade inferior. Nem a pandemia foi o suficiente para um olhar mais cuidadoso, salvo a iniciativa da arquidiocese de Olinda e Recife com o apoio de outras entidades no arranjo institucional que permitiu que acontecesse a “Casa do Pão”, localizada no mesmo bairro, cuja plataforma é de um núcleo de acolhimento que está longe de atender plenamente os que estão no sereno das ruas.
O fato é que “esses feridos de guerra” como os chamava Dom Helder, continuam aguardando a piedade dos devotos frequentadores de cultos religiosos e a solidariedade de espíritos generosos que levam sopa aos necessitados do pão de Santo Antônio.
De forma objetiva, rogo pelo tempo em que a prefeitura possa recolhê-los para viver em ambiente com o mínimo de dignidade, fortuna essa perdida nas encruzilhadas da vida. Anima-me que entidades vizinhas pudessem se agregar a um novo esforço, junto com o Ministério Público, Instituto Dom Helder, Comissão de Justiça e Paz, associando também outros segmentos da sociedade. Trata-se de uma população de alto risco que precisa, além do apoio material, de assistência médica, vacinas, atendimento de psicólogos e a paciente compreensão face às infelicidades que os levaram a tal estado de miséria humana.
Encontramos em outras localizações da cidade realidades semelhantes, em que também se impõem tais iniciativas. Na zona sul, em bairros como Boa Viagem, Setúbal, Pina - cartões postais da cidade -, e demais regiões nas zonas norte e oeste, desnudam também essa face cruel, como bem mostrou o editorial deste JC na última quinta (21). A verdade é que apanhamos pelo que (não) fizemos, em um mundo cada dia mais individualizado.
A sentença que ilumina e oportuniza a vida clama por lhaneza na canção de Raimundo Fagner;
“É triste ver este homem
Guerreiro menino
Com a barra de seu tempo
Por sobre seus ombros..,
Eles precisam de um descanso,
de um remanso, de um sonho
Que os tornem refeitos”
Nesses mosaicos de tantos Recifes, pulsam ainda muitas esperanças.
Fernando Dueire
Senador da República