Opinião | O bolso dos americanos pós o mundo em risco
Por Antônio Lavareda
Acordei mal, após menos de cinco horas de sono. Já havia adormecido com a quase certeza da vitória de Trump, depois confirmada. Desperto, fiquei pior, ao me deparar com um enxame de teorias explicativas, a maioria fundadas na decepção com os eleitores, arriscando novas chaves do comportamento do cidadão americano, e não raro extrapolando isso para o mundo. Os autores (as) todos (as) inteligentes, informados (as) , alguns e algumas até dessa área de estudos. Se estivessem certos, o que fazer então com os “velhos” modelos explanatórios?
Tomei um banho, entre frio e gelado. E enquanto o fazia, me perguntava em quê, de fato, esses resultados teriam sido surpreendentes. Seguem perguntas e respostas que me ocorreram.
Quando um vice-presidente ganhou a eleição tendo uma margem negativa, na véspera da eleição, de -17.7 (56,3% de desaprovação contra 38,6% de aprovação, segundo o agregador do site 538)?
Nunca.
Quando o candidato do partido incumbente saiu vitorioso num cenário no qual 72% da opinião pública se dizem insatisfeitos com o rumo do país; 62% acham que a economia está piorando; e 46% asseveram que sua condição econômica está má contra apenas 25% que avaliam como boa (conforme o Gallup de outubro)?
Nunca.
Quando um candidato condenado na Justiça conseguiu disputar e ganhar uma eleição presidencial?
Nunca. Os pais fundadores jamais cogitaram essa hipótese, e assim a Constituição norte-americana não estabeleceu mecanismos para evitá-la.
Algum ex-presidente logrou se eleger mais uma vez depois de ter perdido a disputa da própria reeleição?
Sim, uma única vez: o democrata Grover Cleveland, em 1892. Alguns outros tentaram, mas sem sucesso: Van Buren (1848), Fillmore (1856) e Theodore Roosevelt (1912). Cleveland teve êxito por conta da elevada desaprovação de Benjamin Harrison – que o havia derrotado, perdendo no voto popular, mas ganhando no Colégio Eleitoral, quando tentou a reeleição. A economia foi, tal como agora, a questão central. Cleveland fez campanha prometendo baixar tarifas elevadas sobre os produtos importados, que protegiam as indústrias, mas aumentavam os preços dos alimentos e de outros itens essenciais, causando revolta nos agricultores e consumidores em geral.
Em resumo: a eleição norte-americana foi definida mais uma vez, de forma prevalecente, pela incumbência. Pelo voto retrospectivo, que computou o desempenho insatisfatório de Biden e ainda o comparou ao mandato anterior de Trump. Simplificadamente, predominou a indagação feita por Ronald Reagan na eleição de 1984:
“Are you better off than four years ago?” (Você está melhor do que há quatro anos?)
Lembrando que os resultados de nossas eleições municipais recentes também foram em larga medida ditados pela centralidade da incumbência, com taxa recorde de 81% de reeleição dos prefeitos.
Mas é compreensível que outras explicações apareçam, traduzindo muito mais a angústia dos analistas que relutam em admitir que foi um aspecto aparentemente banal, o bolso, que ditou o que as urnas expressaram. Por bolso, entenda-se: os preços ao consumidor (da gasolina, do supermercado, da habitação, dos planos de saúde) que foram relativamente estabilizados, mas num patamar em média 20% superior.
O certo é que a vitória de Trump, com retórica autoritária e respaldado pela maioria conquistada no Senado e na Câmara, abre no seu país e no planeta um capítulo de incerteza cujo desfecho nenhum Oráculo conseguirá antecipar. Do bolso do cidadão americano saiu um enorme problema que já está pesando sobre a cabeça do mundo.
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