Opinião | Hermenêutica de Odorico Paraguaçu
Aqueles que são afeiçoados à literatura nacional, provavelmente, se depararam com a obra O Bem Amado, cujo autor é Dias Gomes. Durante um bom tempo, a mesma foi transformada em seriado para TV. Entre os personagens, existe a figura de Odorico Paraguaçu que é a caricatura de um coronel sem patente e chefe político da cidade de Sucupira. Como prefeito da cidade, Odorico gosta de falar difícil ao ponto de atropelar a língua pátrio. Na verdade, ele é um filólogo às avessas. Utilizando da sua retórica “surucupirana”, Odorico cita frases de efeito em seus discursos, onde geralmente era atribuída ao Ruy Barbosa. Acontece que o secretário do prefeito, sempre atento aos deslizes do orador, procurava alertar que a frase não era de autoria do renomado jurista brasileiro. De imediato, o prefeito afirmava que “se Ruy Barbosa não disse, pensou em dizer”. O fato, é que aparentemente isso não mudou. Com frequência escutamos citações que são atribuídas a autores que jamais disseram. Há até alguns em que as citações fraudulentas são mais constantes. Autores como João Calvino, Hegel, Marx, Maquiavel e tantos outros são vinculados por pensamentos de algo que jamais pensaram ou disseram. Mesmo assim, são citados como se deles fossem. Basta tomarmos como exemplo a frase “os fins justificam os meios”, cujo autor é Ovídio, mas ao longo dos séculos criou-se no imaginário popular que o autor é Maquiavel. Será que ele não disse, mas pensou em dizer?
P.S. É mais fácil descobrir quem construiu as pirâmides egípcias, do que tampar um buraco na cidade do Recife.
Hely Ferreira é cientista político.