A hora e vez da periferia no Festival de Inverno de Garanhuns
Artistas da cultura popular contemporânea ganham apontamentos dedicados no FIG 2023
O Edital Nacional do 31º Festival de Inverno de Garanhuns – FIG 2023 traz este ano, entre as novidades: a especificação das manifestações artísticas oriundas das culturas periféricas (tais como hip hop, grafite, brega-funk, passinho, dentre outras) como entendimento de atividades artístico-culturais elegíveis para inscrição no evento. O mesmo apontamento ocorre quanto às propostas de formação (cursos, oficinas, rodas de conversas, palestras ou seminários), em que a diversidade das expressões culturais da periferia se fazem cada vez mais presentes.
Por meio do Portal Cultura.PE (www.cultura.pe.gov.br) e das redes sociais, a Secretaria Estadual de Cultura (Secult-PE) e a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) têm realizado uma ampla divulgação convocando os/as fazedores/as de cultura da periferia a participarem do FIG 2023 inscrevendo-se na plataforma mapacultural.pe.gov.br até o dia 9 de maio.
A atual gestão do Governo de Pernambuco, por meio da Secult-PE e Fundarpe, tem priorizado um segmento que historicamente sempre foi carente de atenção: a cultura popular, em especial a cultura popular contemporânea, das manifestações culturais da periferia, dos grandes centros às pequenas cidades do interior. Outro foco importante tem sido a pedagogia da cultura, que é ensinar os fazedores e as fazedoras de cultura a saberem fazer uso de seus direitos e terem acesso aos mecanismos de incentivo e fomento.
“Tivemos duas grandes conquistas na Secult-PE”, comemora o secretário estadual de Cultura, Silvério Pessoa. “Uma delas foi inserir um item sobre as expressões periféricas no Festival de Inverno de Garanhuns. Você que é fazedor de cultura, que tem um banda de hip hop, que é DJ, que está querendo levar o break, que tem um grupo de dança envolvendo todas essas expressões da periferia, o edital tem um espaço para vocês”, lembra. “Se liguem, se organizem, preparem documentação, peçam ajuda – não só à Fundarpe e à Secult-PE, mas também a algum produtor amigo lhe ajude a se inscrever – e ocupem esse espaço”, convoca.
Silvério também enfatiza outra conquista, que é o espaço de formação. “O FIG este ano tem uma preocupação latente, clara, que é a pedagogia da cultura, a educação no Festival de Inverno de Garanhuns. Isso recai sobre as oficinas. Você que é do subúrbio, da periferia; que sabe dançar, que quer ensinar o break, o passinho, como ser um DJ, como organizar um estúdio de tatuagem, o artesanato do cabelo preto, crespo, um salão; você que tem o que mostrar e quer socializar isso de maneira pedagógica, você é um oficineiro, uma oficineira”, orienta. “Pode ser na parte de arte, moda, artesanato concentrados na periferia. Inscreva-se no edital das oficinas do FIG. Vai ser remunerado e pode fazer parte desse momento bacana que é a parte pedagógica do FIG”, convida.
São muitas as manifestações que podem ser classificadas ou que se identificam com o que se chama cultura da periferia. Em Serra Talhada, por exemplo, o lançamento do Fala Periferia foi palco para que essas manifestações pudessem se expressar, trazer demandas para o poder público que está pensando a cultura no Estado.
Os artistas e produtores quando forem preencher o formulário do FIG no Mapa Cultural de Pernambuco devem deixar claro na proposta que se trata de uma iniciativa que dialoga com a cultura da periferia, colocando informações sobre como se dá o trabalho, qual seu perfil, sua trajetória profissional. Deve deixar claro a vivência na comunidade, uma relação com uma associação, um coletivo que atua especificamente com esses públicos.
A Secretaria de Cultura espera que a coleta dessas informações ajude a mapear essas ações de uma forma mais efetiva e desdobrar ações para esse público em outras iniciativas, como o Funcultura e a Lei Paulo Gustavo.
COM A PALAVRA, A PERIFERIA
Para a presidente da Central Única das Favelas de Pernambuco (Cufa), Altamiza Melo, o edital com essa especificidade voltada para a questão da cultura nas favelas é um grande avanço e um reconhecimento. “É nas favelas do Brasil e daqui de Pernambuco que moram, residem os brinquedos, tanto da cultura popular quanto das novas brincadeiras, muito ligadas às questões tecnológicas”, contextualiza. “É de lá que vem o brega, é lá que tem os núcleos e as bases do passinho, do brega-funk. Um edital do FIG dessa maneira inovadora, que dá essa qualificação para que nós tenhamos acesso da seleção com um olhar mais específico, é de extrema importância, porque mostra a sensibilidade da gestão para com as favelas de uma maneira geral”, considera. “Agora cabe a todo mundo espalhar e a nós identificar e podermos nos inscrever. Sabemos que nem todo mundo vai ser contemplado, mas muita gente que nunca participou vai ter uma oportunidade de participar”, projeta.
Originário do bairro de Guadalupe, no município de Olinda, Mxck MC vê os novos apontamentos do edital do FIG 2023 como um apoio importante para os artistas da periferia. “É muito bom. Vai estar ajudando muito os artistas, a cultura”, afirma. “Já tentei participar de eventos, mas faltava a oportunidade.”
MC Sony, do bairro de Caixa d'Água, também em Olinda, conta que não entende muito o processo de inscrição e costuma pedir ajuda a um amigo para participar dos eventos culturais. “No site fica mais complicado, porque a galera não tem muito acesso à internet, às vezes não tem computador ou uma internet boa. O atendimento no WhatsApp fica mais fácil, pois nem todo mundo sabe mexer no computador”, comenta.
Grafiteiro e tatuador, Crevo, do bairro do Pina (Zona Sul do Recife), se ressentia da falta de informação. Ele não sabia que é preciso se inscrever para participar do festival. “Não havia ouvido falar disso. Achava que era mais para o forró, para os ritmos do Nordeste”, comenta.
O DJ e produtor musical Zero81, do bairro Maranguape 2, no município de Paulista, lembra que já fez inscrição em outras ocasiões, mas não foi contemplado. “Acabei desistindo. Os artistas da minha gravadora, Zero81 Company, têm muito interesse em participar”, revela. “Meus artistas vêm de periferia. A gente vive e passa o que acontece aqui na comunidade.”
Artista do grafite, Jair Capoeira, do Alto José do Pinho (Zona Norte do Recife), também ministra oficinas. Mais experiente, Jair é inscrito como produtor cultural na Prefeitura do Recife e no Mapa Cultural de Pernambuco. “Venho tentando há alguns anos inscrever projetos no FIG. Fui aprovado, 4, 5 anos atrás, mas ninguém entrou em contato comigo para dar feedback. Isso me deixou desapontado”, queixa-se.
Na opinião de Jair, muitos artistas, mestres e mestras por si só não conseguem desenvolver projetos como pede o edital. “Nos anos anteriores, a Secretaria de Cultura não observava esses pontos. Tem muita gente que produz cultura no morro, na Zona da Mata. Essas pessoas não têm orientação e muitas pessoas que vão orientar querem parte do subsídio”, diz. “Agora percebo, com a Lei Paulo Gustavo, a Lei Aldir Blanc, de meses para cá, um olhar mais aprofundado das dificuldades que o pessoal passa. Acho bastante relevante.”
Um dos ícones da cultura da periferia do Recife, o rapper Zé Brown, também do Alto José do Pinho, e que passa parte do ano em São Paulo, explica que ele e tantos outros artistas da periferia ainda sofrem preconceito mesmo desenvolvendo projetos autênticos. Zé Brown analisa a mudança no edital do FIG como importante e essencial. “É uma oportunidade boa, para a periferia estar gritando. Quando se faz qualquer arte com amor, merece respaldo, respeito”, observa.
O músico fala que também é importante que a informação flua, que os artistas compartilhem a informação para que ela chegue a quem não tem condições. “Isso vai abrir oportunidade para as pessoas saberem. E os que estão sabendo, se inscrevam, mas apresentem material (música, foto, release) profissional”, alerta.