A constituição deve ser cuidada por todos
Por Maurício Rands
O país viveu uma das suas maiores crises constitucionais. Uma semana de tirar o fôlego. Por pouco não se consumaram as pretensões golpistas que vinham sendo agitadas nos últimos quatro anos pelo ex-presidente Bolsonaro e seus seguidores. A ocupação dos palácios dos Três Poderes no dia 08 de janeiro tinha o intento de inviabilizar o funcionamento desses poderes e, assim, justificar a tão sonhada intervenção militar. Plano mal arquitetado, coerente com o primarismo desses golpistas. Semlíderes capazes. E sem apoio decisivo no comando das Forças Armadas, embora tenha ficado evidente a cumplicidade e omissão de parte de seus membros. E até mesmo sabotagem,como aconteceu com o comandante do Batalhão da Guarda Presidencial do Exército. Os quais, inclusive, tinham parentes nos acampamentos dos quartéis, como foi o caso do general Villas Boas. Aquele mesmo que havia feito o tuíte ameaçando o STF na véspera do julgamento de habeas corpus que teria liberado Lula a tempo de que ele concorresse à presidência em 2018. A intervenção federal decretada pelo presidente Lula na segurança pública do DF foi medida acertada. Logo aprovada pelo Congresso Nacional, como manda a Constituição Federal em seu artigo 36, § 1º. Em seguida, veio o pedido de abertura de inquérito da PGR, feito por 80 procuradores e assinado pelo subprocurador Carlos Frederico Santos, para incluir o ex-presidente Bolsonaro, com fundamentos jurídicos razoáveis. Por vários atos, inclusive pelo vídeo que postou já depois do episódio do domingo 8, o ex-presidente ficou numa situação difícil, embora ainda seja necessário aguardar a sua defesa. Sua insistência em questionar a lisura e correção das eleições presidenciais de 2022 mesmo depois da posse do ex-presidente pode ter relação com a conduta dos que ocuparam os palácios em 08/01. E com a minuta do decreto golpista encontrado na casa do seu ex-ministro da justiça.
Todas essas iniciativas das autoridades para preservar a ordem constitucional e punir os que a violaram estão sendo aprovadas pela nação. Como o atesta a pesquisa Data Folha, em que 93% dos respondentes condenaram os atos golpistas. Sobre a pronta reação do STF aos atos golpistas, cabem duas observações. Primeira, o acerto da direção geral das iniciativas junto com os demais poderes contra a tentativa de golpe. A reunião da 2a feira entre o presidente, os governadores, os representantes dos prefeitos e os ministros do STF foi uma demonstração de responsabilidade com a função de cumpridores e guardiões da ordem constitucional. Responsabilidade que é de todos, mas, em última instância, da Suprema Corte. Mas, sobre o afastamento do governador Ibaneis, cabem ressalvas. Foi grave a omissão do governador no dia 080/1. Inclusive por ter nomeado secretário o ex-ministro da justiça Anderson Torres. Um personagem que, logo se viu, estava envolvido com tramas golpistas. Mas não é um bom precedente a decisão de um único ministro-relator afastar monocraticamente um governador eleito. E sem que a medida sequer tenha sido pedida pelos autores das ações que a ensejaram - a de autoria da AGU e a do líder do governo no Congresso Randolfe Rodrigues. Embora a medida tenha sido chancelada pelo plenário virtual do STF, não é bom para a democracia que um único ministro do STF possa afastar um governador com base no poder geral de cautela. Inclusivesem que para isso tenha sido provocado especificamente. Outra questão que também precisa ser objeto de crítica diz respeito à competência universal que está sendo conferida a um único ministro em todas as ações e providências requeridas ao STF em defesa das instituições democráticas. Está havendo uma personalização da ação do STF, um órgão cuja colegialidade é sua grande força. O país não pode e não deve hipotecar suas instituições a um único personagem, por mais que ele tenha valor. Os "salvadores da pátria", humanos que são, muito facilmente desapontam expectativas. O último herói desse tipo, o ex-juiz Sérgio Moro, revelou-se uma figura menor. Seu despreparo intelectual e institucional revelou, na primeira esquina, que os seus abusos foram tolerados ao sacrifício de princípios constitucionais essenciais como o do juiz natural, da ampla defesa, da imparcialidade do julgador e do devido processo legal. E, principalmente, sua parcialidade e projeto político, logo desvendados, significaram um passo atrás no bom combate à corrupção de que tanto o país se ressente.
Maurício Rands, advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxfords