Por Anne Cabral
À Justiça Eleitoral foi dada, pelo Código Eleitoral, uma função consultiva. Assim, os tribunais eleitorais detêm a competência para responder consultas em tese, as quais servem de orientação para decisões administrativas e jurisdicionais
Foto: Divulgação
Eu que tive meu primeiro contato com a política através de movimentos feministas ainda na época de estudante, sempre achei que as mulheres precisavam ocupar todos os espaços de liderança possíveis, públicos e privados. Ter litigado na justiça eleitoral, como advogada, nos tempos de uma mulher Presidenta do Tribunal Superior Eleitoral, a Ministra Rosa Weber, que encerra seu mandato no dia de hoje, me fez refletir se esse mandato trouxe repercussão para ampliação da participação da mulher na política...
Sem risco de errar afirmo que SIM. Nesse mandato foi lançada a página na web PARTICIPA MULHER (http://www.justicaeleitoral.jus.br/participa-mulher/) com estatísticas, legislação e notícias sobre a participação das mulheres na política, afora diversas campanhas institucionais sobre a temática de 2018 para cá. Assim, ao que me parece, no aspecto da competência administrativa da justiça eleitoral a Ministra Rosa Weber trouxe sua contribuição.
Contudo o que mais chama a minha atenção é o voto da Relatora Ministra Rosa Weber, vencedor no julgamento da CONSULTA 0603816-39.2017.6.00.0000, provocada pela consulente Lídice da Mata e Souza, Deputada Federal e realizada na sessão de 19 de maio de 2020, via canal do YouTube.
Julgou-se possível que a regra conhecida como cota de gênero, de 30%, incida sobre a composição de órgãos partidários. Em que pese, tenha se julgado pela impossibilidade do indeferimento peremptório dos pedidos de anotação dos órgãos de direção partidária que não observarem cota de gênero de 30%.
A cota de gênero de 30% para candidaturas proporcionais é estabelecida pelo art. 10, §3º, da Lei 9.504/1997, Lei das Eleições.
Já os partidos políticos são regidos pela Lei 9.096/1995, Lei dos Partidos Políticos, que não tem esse tipo de obrigação. Pelo contrário, o art. 15, IV, da Lei dos Partidos Políticos determina que os estatutos devam trazer a forma e estrutura como os partidos políticos se organizam, o que, por sua vez, é calcado na liberdade e autonomia dos partidos políticos determinada pela Constituição Federal em seu art. 17, mais precisamente no caput e §1º deste artigo.
Desta feita, o julgamento em procedimento de consulta, logo em tese, calca-se em hermenêutica jurídica sofisticada, pois, em análise superficial, considerando uma interpretação literal, não seria possível transpor regra restritiva da liberdade e autonomia dos partidos políticos diretamente da lei das eleições. Tanto que, nesta sessão do Tribunal Superior Eleitoral, o Ministro Luís Roberto Barroso, quem toma posse hoje na presidência do Tribunal da Democracia, propôs que o TSE enviasse um apelo ao Congresso Nacional para incluir expressamente a cota de gênero de 30% para os órgãos partidários na legislação.
À Justiça Eleitoral foi dada, pelo Código Eleitoral, uma função consultiva. Assim, os tribunais eleitorais detêm a competência para responder consultas em tese, as quais servem de orientação para decisões administrativas e jurisdicionais, sem caráter vinculante.
Penso, então, que desse julgado fica a orientação e simbologia do Tribunal da Democracia pelas mãos da relatora Rosa Weber, pois jogou luzes no busílis da carência da participação política das mulheres na política. Ora, se é condição de elegibilidade a filiação partidária e se é preciso combater a baixa participação política das mulheres nas eleições, nada mais óbvio do que a necessidade histórica das mulheres participarem ativamente dos órgãos de direção partidária, sob pena da cota de gênero da lei das eleições não ter efetividade substantiva.
Em janeiro desse ano escrevi artigo para livro ainda não publicado, no qual demonstro, com dados do TSE, que o ambiente partidário é predominantemente masculino, pois dos 33 partidos políticos registrados apenas 4 são liderados por mulheres, apenas 1 tem a maioria de filiados mulheres e apenas 6 apresentam a secretaria da mulher como cargo da executiva dirigente nacional.
Assim, a meu ver, resta a lição: Mulheres, ocupai os partidos políticos!
*Anne Cabral é advogada eleitoralista e professora. Membro das Comissões de Direito Eleitoral e de Direitos Humanos da OAB/PE. Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie – UPM Doutoranda em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE
[Ilustração: João Câmara]
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