Eduardo Carvalho: Acordo com os passarinhos
Foto: Cortesia/Whatsapp
Aqui, nas Graças, ainda tem muito passarinho. Das 4:30h começo a escutar de longe os sabiás cantando dos galhos das mangueiras, jambeiros e sapotizeiros, para acordar lentamente este bairro que ah!inda nos traz um bom bocado das freguesias dos burros sem rabo, dos amoladores de facas e tesouras, consertadores de cabos de panelas, dos vendedores de vassouras e espanadores de teto. É um passado ah!inda presente, morno e salobro, expiando os pecados repetidos nas madrugadas das madrugadas dos dias seguintes ao último suspiro da boemia tardia, sitiada, às mesas capengas, em mercados municipais.
Nas Graças reside um passado querido e de saudades ah!inda presentes nos gestos e sorrisos de feitios fraternos, trocados entre vizinhos reconhecidos; no perfume das flores brancas dos jasmins alcoviteiros, debruçados sobre portões enferrujados para espiar quem passa e o que se passa, por ali; no aroma do jenipapo, que, de uma queda foi ao chão, e caiu maduro no fundo de um quintal ainda mal assombrado; no cheiro das recomposições orgânicas que sobem esqueléticas do fundo da lama do mangue banhado pelo Capibaribe, este senhor tez negra e cenho austero, indo, vindo, silencioso e sinistro.
Até às 6...6:30h não se escuta outro som passeando pela Cardeal Arcoverde, na Jacobina, na Amizade, na Manoel de Almeida, seguindo pela Guilherme Pinto para dobrar na Capunga ou seguir em frente, até a Praça do Derby, que não sejam as trocas de cantos entre sabiás e sanhaçus. Não ouço canários. É muuuito raro encontrar um galo de campina. Curió e papa-capim, nem pensar. Outro dia, um sibite pousou na aba do basculante da janela da minha sala, no escritório. Sibite não canta e é feio que dói. Coitado. Nos reparamos com um profundo desprezo mútuo, visivelmente desinteressados e desapontados, um com o outro. Ele tentou fazer de conta, que não me viu. Olhou prum um lado, pro outro, para cima e sem ter o que dizer, mas fazer, o cínico foi embora. Vez por outra, passa voando ligeiro um bem-te-vi, que também não canta patavinas, mas tem as cores do São Bento, e certamente por isso acho um passarinho simpático. As lavadeiras desapareceram. Os pintassilgos, também. O concriz, meu passarinho preferido, que é muito inteligente, deve estar lá para trás, brincando nas matas, distante das buzinas, dos apitos, dos gritos, dos choros, das rezas, das promessas, longe das maldades e protegido das esperanças e distante dos falsos amores.
A minha nora, Layse, é bióloga, e me disse que um sabiá consegue aprender o canto de uma outra família Sabiá, e assim eles se entendem. O que responde à pergunta que o Chico gostaria de ter feito ao Tom, mas foi deixando passar, passar, e não fez. Layse também falou de passarinhos que imitam o canto de outro passarinho, somente para enganar o Outro. O que derruba, fragiliza ou relativiza a tese defendida pelo Sartre. A boa notícia é que os pardais estão sumindo. Não gosto de pardal. Aliás, também não suporto pombos. E tenho raiva dos homens. Mas isto já é outra questão, tratada pela Dra. Rosana e cuidada pelo Dr. Wilson.
Eduardo Romero Marques de Carvalho – advogado