Cardiologista Domingos Melo, passa a colaborar com veículos do GNC ( Grupo Nordeste de comunicação), com artigos e estudos sobre saúde
Teste de caminhada de 6 minutos na Insuficiência Cardíaca
Domingos Savio Melo Professor de Medicina do Centro Universitario Mauricio de Nassau Doutor em ciências pela FMUSP
Antonio Carlos Pereira Barretto Prof Associado do Departamento de Cardiopneumologia da FMUSP Diretor do Serviço de Prevenção e Reabilitação do InCor
Tradicionalmente, a classificação da NYHA (New York heart Association), vem sendo empregada na avaliação da capacidade funcional dos cardiopatas, entretanto, o seu valor é limitado, especialmente entre aqueles com comprometimento leve, devido à subjetividade dos sintomas. A introdução do teste de esforço tornou a avaliação mais objetiva. Existem várias modalidades de testes de exercício para avaliar a capacidade funcional. Algumas fornecem uma completa avaliação de todos os sistemas envolvidos no exercício, porém necessitam utilizar alta tecnologia, enquanto outras utilizam pouca tecnologia, entretanto produzem informações básicas e são mais simples de realizar. Há ainda uma gama completa de testes que podemos utilizar para avaliar a capacidade funcional do paciente. O mais fácil é um questionário de auto-relato da quantidade de exercício que o paciente pode fazer. Podemos perguntar: ”quantos lances de escada você pode subir ou quantas quadras pode andar?”, mas os pacientes diferem em sua capacidade de informar e podem superestimar ou subestimar sua verdadeira capacidade funcional, de modo que, medidas objetivas são geralmente melhores do que auto-relatos.” Já vai de longe o tempo em que o teste de esforço e a atividade física eram contraindicados nos pacientes com insuficiência cardíaca 1 . Os testes de exercício em esteira ou cicloergômetro são um importante instrumento para a avaliação da insuficiência cardíaca, bem como de seus principais sintomas (fadiga e dispnéia) diante do esforço. O pico de consumo de oxigênio (VO2) representa uma medida objetiva da gravidade dos sintomas e é altamente confiável e reprodutível como fator de valor prognóstico 2 . Entretanto, têm-se questionado que nos pacientes com IC crônica, pela limitação de suas atividades físicas, a medida do VO2 pode não representar a capacidade funcional diária de forma confiável. Outro aspecto que deve ser levado em conta é que muitos pacientes não são capazes de realizar esses exames por apresentarem co-morbidades (como, por exemplo, artrites, vasculopatia periféricas) ou intolerância ao equipamento (como, por exemplo, má adaptação à esteira ou ao cicloergômetro). Além disso, não estão disponíveis em todos os centros equipamentos e especialistas necessários para o procedimento 3 . O teste de caminhada em 6 minutos (TC6) apresenta-se como uma ótima alternativa, pois pode ser realizado pela maioria dos pacientes com IC. Este teste surgiu em 1976, com MacGavin, com o objetivo de avaliar funcionalmente os portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). Originalmente o teste tinha duração de 12 minutos, mas pelo fato de ser muito desgastante, o TC6 foi criado provando ser tão bom quanto, e recentemente o comitê da American Thoracic Society desenvolveu diretrizes para o teste de caminhada de 6 minutos (TC6).4 O teste atraiu a atenção dos cardiologistas devido ao seu baixo custo e facilidade de execução e interpretação, ser mais bem tolerado, refletir melhor as atividades diárias do que outros testes de caminhada e então, passou a ser aplicado em outras situações clínicas, em destaque nos portadores de insuficiência cardíaca e nos idosos5 . Por esta razão, seu papel na medida da limitação funcional, na avaliação da terapia e na estratificação prognóstica dos pacientes com insuficiência cardíaca (IC) tem sido largamente investigado. Várias são as indicações do TC6 conforme mostrado na figura 1. Podemos observar que a mais forte é para medir as respostas às intervenções médicas em pacientes com doença cardíaca ou pulmonar severa. Na figura 1 podemos observar também as contra-indicações para o referido teste. * Avaliação de intervenções médicas antes e depois -Transplante ou ressecção pulmonar -Reabilitação pulmonar -DPOC e hipertensão pulmonar -Insuficiência Cardíaca *Avaliação da capacidade funcional -DPOC -Fibrose cística -Insuficiência cardíaca -Doença vascular periférica -Fibromialgia -Pacientes Idosos *Preditor de morbidade e mortalidade -Insuficiência cardíaca -DPOC -Hipertensão pulmonar primária Indicações *Absolutas: Angina instável Infarto do miocárdio . * Relativas : Pulso acima de 120 bpm, Pressão sistólica acima de 180 mmHg Pressão diastólica acima de 100 mmHg. Pacientes com angina estável não têm contra-indicação, mas devem usar sua medicação vasodilatadora coronariana antes do teste. Deve-se lembrar que o teste é realizado com a velocidade imposta pelo próprio paciente, o que o permite diminuir a velocidade se alguma dor aparecer. Contra-Indicações Figura 1. Indicações e contra-indicações para o teste de caminhada de 6 minutos O TC6 é um teste simples que não requer equipamentos de custo elevado ou treinamento especializado. O TC6 consiste em pedir ao paciente para caminhar, por conta própria, a maior distância possível em um intervalo de 6 minutos em um corredor preferivelmente com 30m a 50m de comprimento. O paciente pode parar ou diminuir a velocidade a qualquer momento e então retomar a caminhada de acordo com o seu nível de fadiga. Desde que é o paciente que escolhe a velocidade em que anda, o teste se aproxima mais das atividades normais do que um teste de consumo máximo. Ainda que outros parâmetros possam ser monitorados durante o teste, tais como a pressão arterial e freqüência cardíaca, o número de vezes que o paciente pára durante o teste, a velocidade de caminhada e até mesmo as mudanças nos gases respiratórios (medida feita com instrumentos portáteis) e saturação de oxigênio, a distância caminhada em 6 minutos é o parâmetro usualmente levado em consideração na prática clínica e também o único que provou ser útil em vários estudos clínicos. Alguns destes estudos demonstraram que TC6 foi um forte e independente preditor de morbimortalidade na disfunção ventricular esquerda 6 . Usualmente os pacientes com insuficiência cardíaca apresentam sintomas durante o esforço e a tolerância ao exercício é utilizada para avaliar sua capacidade funcional. Valendo ainda salientar, que estudos demonstram que as medidas que avaliam o desempenho cardíaco em repouso não apresentam total correlação com a tolerância ao exercício ou mesmo com sua classe funcional 7 . Deste modo, o TC6 vem atualmente sendo utilizado como uma alternativa para avaliar a capacidade física em pacientes com IC 8 . Metodologia Semelhantemente ao protoloco empregado no estudo SOLVD 9 , podemos estratificar a capacidade de caminhada em 4 níveis (Figura 2): - Nível 1: caminhada < 300m. - Nível 2: caminhada entre 300 e 375m. - Nível 3: caminhada entre 375 e 450m. - Nível 4: caminhada acima de 450m. Figura 2. Estratificação do nível de caminhada Este estudo demostrou que a mortalidade diminuía à medida que a distância caminhada aumentava 10 . O mesmo se observou quanto ao número de pacientes que necessitaram hospitalização. Durante o estudo, 40% dos pacientes que andaram 450m. A distância caminhada apresentou excelente correlação com testes de avaliação de qualidade de vida 11 . Os resultado do FIRST (Frolan International Randomized Survival Trial) 12 demonstraram forte habilidade prognóstica desse teste; vale salientar, que o estudo incluiu pacientes extremamente doentes. Dois outros estudos empregaram o TC6 em pacientes comk IC, o RADIANCE e o PROVED 13 , que tinham desenho muito similar. Ambos analisaram através da distância caminhada, se a retirada do digital, em pacientes compensados com digital e diurético no PROVED e digital, diurético e inibidor da ECA no RADIANCE, modificava o desempenho dos doentes Em nosso serviço na Unidade de Internação do INCOR, no Hospital Auxiliar de Cotoxó, temos empregado este teste para avaliação dos portadores de ICC e, à semelhança da literatura, verificamos correlação entre a distância caminhada e as medidas de função cardíaca. Dado interessante é que o teste de 6min, em nossa casuística ainda pequena, mostrou resultados limítrofes como discriminante de mortalidade. Neste trabalho os pacientes que faleceram caminharam em média 394m e os sobreviventes 442m (p= 0,08) 14 . Forma do teste O exame é limitado por tempo e pode ser utilizado a qualquer hora do dia. Os pacientes são posicionados em corredores, ou em pistas, com superfície lisa. Orienta-se os pacientes a percorrerem a maior distância tolerável durante 6 minutos, pode realizar quantas pausas julgar necessário, retomando a caminhada logo que se sinta apto, sendo autorizados a interromper a caminhada no caso de fadiga extrema, ou outro sintoma limitante. Ao final dos 6 minutos mede-se a distância percorrida. Inicie o teste da seguinte forma: 1.Posicione o paciente na linha inicial. Você deve estar de pé junto ao paciente. 2.Não ande com o paciente, e tão logo o mesmo inicie a caminhada ligue o timer. 3. Não fale com outras pessoa durante o teste, Mantenha-se atento à contagem das voltas. 4. Com o paciente de pé avalie seu grau de dispnéia e fadiga utilizando uma escala apropriada como a de Borg. Esta escala deve estar impressa e plastificada em papel A4 e mostrada ao paciente. Neste momento diga ao paciente: por favor, gradue seu nível de dificuldade respiratória de acordo com essa escala. Em seguida peça ao paciente para também segundo aquela escala graduar seu nível de fadiga. A motivação do paciente durante o exame é indispensável. Podem-se utilizar frases de estímulo, seguindo o seguinte protocolo: 1.Após o primeiro minuto diga ao paciente a seguinte frase em voz alta: está indo bem. Faltam apenas 5 minutos de caminhada; 2.No segundo minuto diga ao paciente:Mantenha o bom trabalho, restam apenas 4 minutos de caminhada; 3. No terceiro minuto diga: está indo muito bem. Já atingiu metade do teste. 4.No quarto minuto diga: está realizando um ótimo teste. Só restam 2 minutos para terminar; 5.No quinto minuto diga: Continue, está indo muito bem. Só resta 1 minuto Estas palavras parecem aumentar o desempenho dos pacientes durante o esforço. Além da distância percorrida, são avaliadas: a freqüência cardíaca, a pressão arterial, a falta de ar, a fadiga nas pernas, a oxigenação de sangue e o número de respiração devem ser mensuradas e registradas em repouso e logo após o término do teste. Para isto podemos utilizar equipamentos apropriados bem como escalas de sensação de sintomas (figura 3 e 4) 1. Cronômetro 2. Escala de percepção dos sintomas para avaliar falta de ar e fadiga nas pernas 3. Oxímetro de pulso 4. Esfigmomanômetro 5. Estetoscópio Equipamentos Necessários Figura 3 e 4. Materiais necessários à realização do teste de caminhada de 6 minutos O rítmo da caminhada deve ser determinado por cada indivíduo e os mesmos não devem correr. Quando estiver finalizando o TC6 mostre novamente a escala de Borg ao paciente e peça para defenir seu padrão respiratório e de fadiga muscular lembrando-o do nível inicial. Conclusão O TC6 é uma medida útil da capacidade funcional dirigida a pessoas com moderado a severo comprometimento de sua capacidade funcional e tem sido utilizado para mensurar a resposta a intervenções terapêuticas na IC. Por sua facilidade de realização tem sem dúvida o seu espaço como mais uma ferramenta no arsenal de avaliação dos pacientes com uma doença que vem se tornando cada vez mais freqüente na prática clínica do cardiologista. 1 Melo DSM, The Impact Of Rapid Titration Of Beta Blockers On Functional Capacity In Patients With Advanced Heart Failure And Analyzed Through The 6-Minute Walk Test.. American Heart Association Journal 2018-SS-A-16580-AHA 2 Macini D, Lejentel T, Aaronson K. Peak VO2 :a simple yet enduring standart. Circulation 2000;101:1080-2. 3 Sharma R, Anker SD. The 6-minute walk test and prognosis in chronic heart failure – the available evidence. Eur heart J 2001;22(6):445-8. 4 ATS statement: guidelines for the six-minute walk test. ATS Committee on Proficiency Standards for Clinical Pulmonary Function Laboratories. Am J Respir Crit Care Med 2002;166(1):111–117. 5 Solway S, Brooks D, Lacasse Y, Thomas S. A qualitative systematic overview of the measurement properties of functional walk tests used in the cardiorespiratory domain. Chest 2001;119(1):256–270. 6 Bittner V, Weiner D, Yusuf S, et al. Prediction of mortality and morbility with a 6-min walk test in patients with left ventricular dysfunction. J Am Med Assoc 1993;270:1702 –7. 7 Francis GS, Goldsmith SR, Cohn JN. Relationship of exercise capacity to resting left ventricular performance and basal plasma norepinefrine levels in patients with heart failure. Am Heart J. 1982 8 Guyatt GH, Sullivan MJ, Thompson PI et al. The 6 minutes walk: a new measure of exercise capacity in patients with heart failure. Can Med Assoc J 1985;132:919-23. 9 Gorkin L, Norvel NK, Rosen RC et al. Assesment of quality of life as observed from the baseline data of the studies of left ventricular dysfunction (SOLVD) Trialquality of life substudy. Am J Cardiol 1993;71:1069-73. 10 Beltner V, Weiner DH, Yussuf S et al. Prediction of mortality and morbidity with a 6 minut walk test in patients with left ventricular dysfunction. JAMA 1993;270:1702-7. 11 Gorkin L, Norvel NK, Rosen RC et al - Assessment of quality of life as observed from the baseline data of the studies of left ventricular dysfunction (SOLVD) Trial quality of life substudy. Am J Cardiol 1993; 71: 1069-73. 12 Califf RM, Adams KF, McKenna WJ, et al. A ramdomized trial of epoprostenol therapy for severe congestive heart failure: The Frolan International Randomized Survival Trial (FIRST). Am Heart J 1997;134:44-54. 13 Urestsky BF, Young JB, Shahidi FE et al - Randomized study assessing the effect of digoxin withdrawal in patients with mild to moderate chronic congestive heart failure: results of the PROVED trial. J Am Coll Cardiol 1993; 22: 995-62. 14 Oliveira Jr MT, Furtado MAL, Barretto ACP et al - Teste de caminhada em 6 e 9 minutos como variável preditiva da mortalidade em pacientes com ICC. Rev Soc Cardiol ESP 1994; 4(suppl B): 4.